O destino da testemunha falsa – Shoftim
Rabino David Charlop
Qual poder têm nossos pensamentos? Se alguém tem intenções malignas que nunca chegam a se concretizar, para onde vão esses pensamentos?
O Maharal de Praga (1525–1609) oferece uma explicação fascinante para essas perguntas. No entanto, para entender bem seu ensinamento, precisamos começar analisando um preceito da leitura da Torá desta semana, que convida à reflexão.
Duas testemunhas comparecem a um tribunal judaico e afirmam que uma pessoa qualquer — que chamaremos de Sam — violou uma proibição da Torá. Por exemplo, dizem que Sam comeu comida não kosher, profanou o Shabat ou matou alguém, e portanto merece ser punido. O tribunal ouve o testemunho e, com base nele, decide que Sam é culpado. No entanto, entre a sentença e a execução real da punição, surgem duas novas testemunhas que desmentem totalmente o testemunho do primeiro grupo, explicando ao tribunal que os primeiros testemunhos são inválidos porque aqueles homens não estavam próximos do local do suposto crime.
O que você acha, querido leitor? O que deveria ser feito com as primeiras testemunhas? Aplicar uma multa? Mandá-las para a prisão por alguns meses? Impor um castigo corporal?
De acordo com a Torá, devemos infligir às testemunhas falsas exatamente o mesmo castigo que elas tentaram impor ao acusado. Sim, é isso mesmo. Se disseram que Sam merecia açoites, então são elas que recebem os açoites. Se tentaram condená-lo à morte, são elas que são executadas.
Provavelmente, para a maioria das pessoas, esse método parece um tanto surpreendente. Afinal, embora o que fizeram certamente não seja digno de elogios, muitos achariam que essa lei de “olho por olho” é um pouco extrema, não é?
Sobre esse ponto, o Maharal explica o funcionamento interno das ações dessas testemunhas. E, a partir de suas palavras, podemos descobrir o quão poderosos são, de fato, os pensamentos.
Para entender seu ensinamento, vamos primeiro analisar o que essas testemunhas fizeram de errado e por que merecem tal punição. É óbvio que não são responsáveis por ferir diretamente alguém, já que sua transgressão foi apenas verbal. Poderíamos puni-las pelo susto ou pela angústia emocional causada ao acusado, mas impor açoites ou pena de morte apenas por causar sofrimento emocional parece exagerado.
Na verdade, o único erro real delas foi terem más intenções. Elaboraram um plano para prejudicar alguém, e por isso são consideradas responsáveis. Mas, se sua transgressão se limitou aos pensamentos e às palavras, por que merecem um castigo tão severo?
Em geral, a maioria das pessoas entende recompensa e punição com base em experiências infantis: se formos bons, D'us nos dá um doce; se formos maus, levamos uma bronca. Já como adultos, precisamos aprofundar nossa compreensão desse tema, para perceber a interconexão entre nossos pensamentos, nossos atos e seus resultados.
Se alguém tenta arremessar sua bicicleta contra uma parede com a intenção de derrubá-la, o mais provável é que a pessoa e a bicicleta saiam machucadas, enquanto a parede permanece de pé. Isso é um castigo? Obviamente, é uma consequência direta de um ato insensato. Essa analogia reflete, de forma um pouco simplificada, a verdadeira natureza da recompensa e da punição. O que fazemos — ou deixamos de fazer — retorna a nós como uma consequência natural no plano físico ou espiritual.
Quando as testemunhas foram acusar falsamente uma pessoa inocente, agiram com a intenção de causar dano. Seus pensamentos criaram uma realidade e colocaram em movimento a possibilidade de prejudicar o acusado. Mas o que acontece agora, já que o acusado é inocente?
Segundo o Maharal, a mesma intenção maligna volta-se contra os próprios acusadores. Os maus pensamentos não se dissipam nem desaparecem: são reais e têm o poder de causar danos. Como Sam não é o destinatário justo desses planos maliciosos, a intenção maligna reverte e se torna a causa do castigo das testemunhas.
O Maharal compara isso a uma pedra lançada contra uma parede: não só bate na parede e cai ao chão, como pode ricochetear e ferir quem a lançou.
Contudo, as ideias do Maharal não nos ensinam apenas sobre o poder dos pensamentos e das palavras, mas também nos mostram uma imagem mais precisa do que são recompensa e punição. A máxima “o que alguém semeia, isso colherá” se aplica até mesmo aos aspectos mais espirituais de nossas vidas.
Fonte: breslev.com
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